“Se faltar a paz, Minas Gerais”

Beatriz EstimaA alegria de ter passado em uma federal era compensada pelo medo de ficar tão longe de casa. Eram exatos 530 quilômetros que desde o dia 15 de fevereiro me separavam da minha família, da minha “pacata” vida paulistana. Mas diziam-me que era para o meu bem, e além do mais foi uma escolha. Eu não era a primeira a sair de casa, mas a mais nova, a mais mimada e a mais medrosa. Apavorou-me pensar em morar sozinha, o que contradiz com meu eu de 14 anos que não via a hora de se aventurar por aí. Porém, o momento de rebeldia passou junto com os cabelos rosa que eu tinha na época. Quase cinco anos depois, pensar em ter uma casa, fazer uma faculdade e ter responsabilidades me assustava mais do que qualquer medo de fantasma.

Os primeiros dois meses foram os mais paradoxais que eu tive na vida. E eu acabei aprendendo que isso é realmente comum. A faculdade – pasmem, veteranos! – me encantava a cada dia. Já a vida pessoal descia uma ladeira cheia de pedras. Minha colega de quarto mostrava o quão dura é a realidade de se morar com quem não conhece. Passei sábados inteiros arrumando a bagunça que nem sempre era minha, reclamando de uma garota que mal aparecia em casa, chorando com saudade até das pequenas coisas que me irritavam na casa dos meus pais.

Nunca fui de festas. As calouradas não me atraíam, e por isso passei fins de semana completamente sozinha. Mas, como diz Marcelo Camelo “Pega a solidão e dança”. Foi isso que fiz. Dançava com os problemas que eu comecei a ter. Problemas financeiros que foram surgindo, por exemplo a passagem do ônibus de São João para São Paulo que ficava mais cara a cada feriado; ou o aluguel da casa que levava mais da metade do dinheiro que eu recebia; ou até mesmo aquelas compras do mês que foram encarecendo. Não dava para viver só de miojo, apesar de alguns discordarem de mim.

Além disso, havia os problemas emocionais. Os choros incontroláveis; a saudade que eu pensei que não teria dessa forma avassaladora. As brigas com o namorado que ficou longe demais; ou o choro baixinho da minha mãe que eu podia ouvir no telefone enquanto falava com ela. Aquilo me doía e me dava vontade de pegar os restinhos do dinheiro que eu tinha, das moedas que não gastei no xerox e ir embora, voltar para o meu lugar. Mas não o fiz. Fiquei porque todo mundo tinha esperado algo de mim. Eu tinha esperado. Eu tinha me esforçado muito para conseguir chegar até aqui, e chorar me aliviava, mas desistir me deixaria muito pior. Fiquei e precisei de ajuda.

A amizade é algo engraçado. Você geralmente não se lembra como conheceu seu melhor amigo, mas sabe que desde sempre pode contar com ele. Foi assim comigo antes, e foi assim novamente. Fiz amizades. Amizades verdadeiras. E essas pessoas me ajudaram, me emprestaram roupas que eu precisei, remédios. Me ouviram. Divido com eles a sala de aula, um projeto maravilhoso e um sonho de ser jornalista.

A faculdade está sendo o pior e o melhor momento da minha vida. Mas tudo de uma certa forma vira experiência. Depois de um tempo, eu acabei me acostumando com a rotina, com a vida sossegada de uma cidade do interior. Da calmaria mineira. Do pão de queijo recheado, daquele por do sol entre as montanhas. Porque é como dizem por ai… “ Se faltar a paz, Minas Gerais.”

Maria Fumaça - Beatriz

Tradicional Maria Fumaça que faz o trajeto entre São João del-Rei e Tiradentes

Texto: Beatriz Estima
Imagens: Arquivo Pessoal
Revisão: Dani da Gama