O Jornal das 10 e as contradições do jornalismo regional

A importância do jornalismo regional para os são-joanenses em contraponto às suas incoerências

Geraldinho durante a transmissão do “Jornal das 10” (Foto: Letícia Carvalho)

A Rádio São João faz parte do dia a dia de São João del-Rei e região do Campo das Vertentes há quase 70 anos e permanece como um dos patrimônios mais valorizados da cidade dos sinos. Foi em 1960, 15 anos após a criação da rádio, que o tão conhecido “Geraldinho”, nascido Geraldo José dos Santos, começou sua trajetória no programa de utilidades públicas e coberturas marcantes, mesmo que nem sempre planejadas.

Geraldo começou na rádio como um aprendiz, logo foi promovido de sua função como cobrador de contas para operador de aúdio, discotecário e agenciador de publicidade. Após 10 anos de trabalho, Geraldinho se tornou locutor, a convite do antigo diretor da emissora, Autamir Braga, que apresentava o “Grande Jornal Falado das 10 horas”.

Geraldinho propôs a mudança do nome para “Jornal das 10”, pois era mais fácil das pessoas falarem e, assim, se tornaria conhecido, uma marca. A lealdade de ouvintes e participantes que sintonizam diariamente, há 30 anos, demonstra a importância do jornalismo regional para a cidade.

Edinéia de Melo Gonçalves, 54 anos, acompanha o “Jornal das 10” desde que se mudou para São João del-Rei. “Hoje até foi bom porque ele falou sobre a Festa do Divino no Matozinhos, gosto das notícias das datas comemorativas, gosto também por causa do resultado da loteria da Caixa que todos os dias ele dá, ele fala sobre meteorologia, tudo relacionado a São João”, afirma. Para ela, a importância desta vertente do jornalismo regional está na inclusão dos acontecimentos locais, assim como o aspecto filantrópico do programa.

O conteúdo do jornal é centralizado nos acontecimentos da cidade e região: de ações sociais a impedimentos no trânsito, eventos regionais e notas de falecimento. E transmitido em horário de maior audiência, às 10 horas da manhã. Durante a entrevista com o locutor, ele defende o interesse da população pelo jornalismo regional: “As pessoas que ligam para o rádio não querem saber se houve um terremoto lá na China, se houve uma execução em Cuba, se houve um acidente na Tailândia. Elas querem saber notícias locais e regionais”. Para ele, as ligações diárias para o programa e a curiosidade dos ouvintes quando o “Jornal das 10” é interrompido por algum motivo, são provas da relevância do jornal.

Ouça o podcast a seguir e confira a entrevista completa com o Geraldinho.

Entre sugestões e reivindicações, é essa participação do ouvinte que mantém o “Jornal das 10” presente na cidade. De acordo com o apresentador, as notícias chegam pela “boca do povo”, pedindo providências às autoridade em nome dos moradores. “Para nós qualquer notícia é importante, qualquer informação a gente procura checar”, ele afirma. Uma das dificuldades encontradas na checagem é a disponibilidade da polícia em ceder informações detalhadas ou os boletins das ocorrências, uma vez que o jornal é conhecido por sua cobertura policial. Ele também afirma que a rádio possui canais e fontes para a checagem das notícias.

A equipe do “Jornal das 10” é formada pelo apresentador, Geraldo José dos Santos, pelo coordenador e jornalista, João Henrique Castro, pelo correspondente esportivo no Rio de Janeiro, Rui Guilherme Araújo, além da correspondente Ana Maria Mejia, que faz as coberturas políticas em Brasília e conta com o apoio da diretora, Juliane Menez Machado. “Apesar das dificuldades, o nosso objetivo é sempre expandir, sempre melhorar cada vez mais e acompanhar a evolução da notícia. (…) recebendo é ouvindo com muita humildade a crítica dos ouvintes”, conclui o apresentador.

Considerando o que foi informado pelo locutor, a programação conta, principalmente, com o relato dos ouvintes e participação dos moradores, voltado para a utilidade pública. Além disso, cobre ocorrências policiais e alguns acontecimentos no âmbito político e esportivo. O programa também divulga festas e datas comemorativas da cidade. A apuração das notícias é feita de acordo com o seu valor para o interesse da população são-joanense, sendo responsabilidade do coordenador do programa, uma vez que o Geraldinho é, atualmente, responsável apenas pela locução do jornal.

As contradições do Jornalismo Regional

No jornalismo regional, as notícias tornam-se relevantes de acordo com o grau de interesse e a proximidade da população. Com o “Jornal das 10” não é diferente, as pautas são sugeridas pelos ouvintes ou recebidas dos boletins de ocorrência da polícia, notícias sobre São João del-Rei e região ocupam todo espaço do programa. Notícias nacionais só são informadas se elas afetarem a região de alguma maneira.

Como há muita sugestão de notícias e pedidos de ouvintes, a equipe do “Jornal das 10” escolhe aquelas que consideram relevantes para o dia ou que acreditam ser o que a população deseja e precisa ouvir. Por causa da familiaridade de Geraldinho com o assunto, já que ele já foi policial civil, e com base nos feedbacks que a equipe recebe do público, um tema que ganha muito destaque são as pautas policiais.

O jornalismo regional acaba tendo poucos jornalistas formados em sua equipe. Como São João del-Rei possui uma universidade que oferece o curso de jornalismo, a “Rádio São João” contrata estudantes para estagiarem por determinado período.

A maior preocupação é em relação a apuração das notícias. Como as informações chegam em tempo real, às vezes não há tempo de checar a veracidade da mesma. Quando perguntado se há interesse do jornal em investir em uma melhor apuração dos fatos, Geraldinho diz que não há planos concretos, porém que a intenção do jornal é continuar evoluindo. O apresentador também enfatiza que ele e sua equipe buscam tornar essa apuração mais eficiente e constante.

A importância do “Jornal das 10” e do jornalismo regional é fazer com que os moradores locais sintam-se informados sobre o que acontece no bairro ao lado ou na cidade mais próxima, uma vez que afeta o seu dia a dia. Entretanto, outra característica do jornalismo regional que também afeta São João del-Rei e a rádio em questão é a proximidade da política nos meios de comunicação da cidade.

A família Neves tem grande influência na cidade e na rádio “São João”, dessa forma, o posicionamento das matérias fica claro, uma vez que as pautas são escolhidas de acordo com o posicionamento político, buscando favorecer as ideias defendidas ou, pelo menos, ignorar o outro lado não dando espaço em sua programação.

Os laços políticos fazem com o tratamento das informações seja tendencioso e até a omissão de dados e fatos, já que os donos das mídias locais têm interesses que são alcançados a partir de ligações com políticos. Muitas matérias e notícias são pautadas por políticos ou por seus assessores, que enviam releases para os jornalistas e, em troca dessa cumplicidade editorial, os ocupantes de cargos políticos conseguem, através de sua força econômica, sustentar e destinar mais espaço para anúncios publicitários das empresas que os “ajudarem”. O problema é que essa associação compromete a informação isenta e acaba reproduzindo ideologias, que comprometem o conhecimento do público.

Transmissões marcantes

A eleição indireta do presidente Tancredo de Almeida Neves pelo Colégio Eleitoral, no dia 15 de janeiro de 1985, em Brasília, colocando fim à ditadura militar, está entre as coberturas mais marcantes para Geraldinho. A equipe da Rádio São João ficou na capital do Brasil durante quarenta dias, fazendo transmissões ao vivo para várias emissoras. A cobertura foi de interesse da população da cidade não apenas pela abrangência nacional, mas por Neves ser são-joanense e fazer parte da história da cidade.

Em uma segunda-feira de carnaval, da qual não recorda o ano, Geraldinho pensou em não transmitir o Jornal das 10. Por algum motivo, o locutor resolveu abrir a rádio e fazer o programa normalmente. Quando chegou à sede, uma mulher de Belo Horizonte pediu ajuda para encontrar a mãe, que é são-joanense e a deixou, recém nascida, sob os cuidados de uma família para quem ela trabalhava na capital mineira. Sem identificar as pessoas, Geraldo contou a história da moça e, pouco tempo depois, a mãe foi até a rádio procurar a filha. O reencontro foi tão marcante que ele relembrou a semelhança física entre elas e se orgulha de ter proporcionado esse momento. Segundo ele, as duas mantêm um laço até hoje.

Entre as transmissões diárias, ele destaca os pedidos de participantes humildes que utilizam o programa como um intermediário para conseguir ajuda. As necessidades da população incluem pedidos de empregos, cestas básicas, cadeiras de rodas, colchões, medicamentos, passagens, entre outros; e são prontamente atendidos por outros ouvintes.

Potência e Alcance

A Rádio São João atua na frequência 970Khz com uma potência de 2,5KW e alcança 36 cidades e seus distritos, contando com São João del-Rei, Barbacena, Barroso, Lavras, Lagoa Dourada, São Tiago, Nazareno e Carandaí.

Texto e edição: Fernanda Cunha e Letícia Carvalho
Gravação/Entrevista: Brenda Lima e Letícia Carvalho
Edição sonora e de imagem: Rafael Senna
Editores-Adjuntos: Arthur Raposo Gomes, Clara Rosa e Juliana Galhardo
Editora-Chefe: Profa. Najla Passos