Notícias da terrinha

lis capaTentei começar esse texto várias vezes e nenhuma versão estava ficando do jeito que eu queria. Fiquei pensando: pra que escrever tentando dar dicas ou ensinamentos se eu posso é contar uma história que é muito mais agradável? Tentei fazer em tópicos para organizar melhor as ideias, mas não deu certo também. Provavelmente, quem vai ler meu texto busca saber sobre viagens e experiências pra ter um momento mais leve e não seguir a leitura de um texto de “faça isso, não faça aquilo”. Muitas frases de efeito que caem no clichê e acabam por entediar. Desnecessário.

Acho que o que é mais interessante para iniciar a conversa é dizer que ao longo desses quase 6 meses, minhas percepções mudaram sobre diversos assuntos, principalmente sobre coisas que estavam à minha frente o tempo todo e eu não enxergava porque precisava que algo ou alguém me desse aquela abertura para novas ideias e pensamentos que é a principal vantagem que o intercâmbio proporciona.

É possível que eu tenha tomado mais consciência sobre política, feminismo e direitos de pessoas e animais aqui do que no Brasil, onde esses assuntos estão berrando aos quatro ventos (leia-se política e feminismo em maior evidência), talvez pelo momento em que estamos vivendo de grande caos no país, talvez porque encontrei pessoas no caminho que me mostraram argumentos tão evidentes que não havia brechas para discordar. Ok, então ponto 1, nesse intercâmbio, aprofundei meu conhecimento sobre o lado político e social do Brasil, mas também vi que o nosso país tem uma relevância no mundo a que poucos dão credibilidade, e outra, como estudante de jornalismo não poderia ficar mais furiosa e revoltada com tamanha manipulação da mídia brasileira no exterior (leia-se Globo, porque aqui em Portugal pega perfeitamente, para a infelicidade da nação e do mundo).

Por falar em jornalismo, vamos falar da sala de aula. Há muita formalidade pra um lugar tão pequeno e que deveria ser um espaço em que todos são tratados como iguais. Existe um distanciamento tão grande entre professor e aluno, que às vezes parece que dá até para apalpar o silêncio, a intimidação, a humilhação depois de uma pergunta ingênua feita por um aluno curioso. Cheguei a ser tratada como Senhora Lis. Eu. Senhora, não senhorita, senhora (sim, com apenas 23 anos de idade, conseguiram me fazer sentir uma idosa). Houve pessoas ainda que foram tratadas pelo nome inteiro, como exemplo “Senhora Inês Pereira, poderia fazer a gentileza de…”. Parece muito respeitoso, até é, mas essa sensação de não ter uma abertura com o professor, seja para fazer uma pergunta “boba” ou para poder tratar pelo primeiro nome, não considero um ponto positivo, pois, na minha opinião, é uma barreira para o aprendizado. Mas diferenças culturais existem e precisamos saber lidar com elas. Ok, esse seria o ponto 2.

Mas então como é que eu vou saber quando é diferença cultural e quando é preconceito, xenofobia, machismo? Portugal é um país bem mais conservador que o Brasil. Isso porque estamos lutando pelo fim de muitos tipos de posturas e pensamentos ultrapassados, imagine como é aqui, então. A cidade do Porto, onde morei durante essa experiência, é meio paradoxal tratando-se desse assunto, porque ao mesmo tempo em que me senti extremamente segura, foi onde fui alvo de situações de assédio por mais vezes, ao ponto de ser assediada por um homem (espanhol) que disse coisas desagradáveis para mim, bem ao lado do motorista (português) da excursão que eu estava fazendo, sendo cúmplice daquela situação horrorosa, sem fazer absolutamente nada. Foi a primeira vez que revidei coisas desagradáveis para um estranho em público. Este é meu ponto 3: sempre existe uma primeira vez para tudo, para o bem e para o mal. Nem só de coisas boas se faz uma experiência, não é mesmo?

Mas vamos ao lado bom dessa narrativa, porque, afinal, o saldo final foi positivo. Apesar de no início ter tido um pouco de dificuldade de entender o português de Portugal, absorvi tanta informação e conteúdo novo e interessante durante as aulas que é preciso reconhecer que me apaixonei por Psicossociologia da Comunicação ministrada pelo adorável Professor Jorge Marinho. Além disso, tive a oportunidade (na verdade forcei a oportunidade para dar certo) de produzir o meu TCC durante o período de intercâmbio, que tem como tema os intercambistas brasileiros na Universidade do Porto. É preciso dizer o quanto cada entrevista acrescentou ao trabalho e me permitiu ter acesso a outras formas de pensar, transformou algo que deveria ser custoso em um prazer imenso de encontrar cada estudante brasileiro e conhecer um pouco sobre sua história na cidade que conquistou meu coração, pela população, pela comida, pelo verde e pelo mar, pelo cheiro, pela sensação de me sentir em casa a léguas do meu primeiro lar.

Nesse momento da viagem, em que as responsabilidades acadêmicas já terminaram e tudo o que sobra são os poucos dias contados para fazer tudo o que não foi feito nesses 5 meses e com a proximidade da volta, de rever as pessoas amadas que estão esperando do outro lado do oceano, começa a bater uma saudade que é do lá mas também é do aqui, uma mistura do já e do ainda. É um conflito interior do passa logo e do quero mais.

Texto: Lis Maldos
Imagens: Arquivo Pessoal