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ARTIGO: Informação + Web 2.0 = Desastre

O século XX é conhecido como “era da informação” e nada mais justo. Os anos entre 1901 e 2000 foram marcados pela forte influência do jornalismo. Foi neste período que o impresso viveu o ápice de sua popularidade, interrompida no início da década de 20. Então, o rádio chegou e roubou as atenções do jornalismo, até então conhecido como “tradicional”. Mais tarde, nesse século surgiria uma outra rival, ainda mais forte do que o rádio: a televisão, que tinha a vantagem de juntar imagem e áudio.

Mesmo com todas as evoluções, a produção jornalística continuava, de certa forma, limitada, fosse pelo espaço onde era disseminada, pela dificuldade de disseminação daquele material ou pela grande demanda de ferramentas, equipamentos e, consequentemente, orçamento. Mas isso mudaria.

Uma nova tecnologia surgiria. Uma espécie de rede invisível, ligando, não só os grandes e barulhentos computadores, mas também as pessoas por trás das telas e desktops de uma forma nunca vista. Essa rede seria conhecida como Internet e revolucionaria muitas áreas sociais, inclusive a da comunicação.

Em um primeiro momento, essa nova tecnologia estava – assim como os primitivos sites que existiam na época – “em construção”, era algo como uma promessa do que viria a se tornar. Sua base estava em sites informativos e de instituições e empresas, mas seu real significado veio a partir das mudanças que sofreu para atender a demanda do público, como o e-mail e os primórdios de sistemas de busca, em termos técnicos, essa era a Web 1.0.

Daí para frente, várias mudanças aconteceram. Atualmente estamos no que se conhece por Web 3.0 o que, basicamente, significa muito mais informação, muito mais organizada, acompanhando as novas possibilidades que vêm com smarthphones, tablets, SmartTV’s, tablets, carros e videogames. Ela traz consigo a mudança mais relevante a este artigo, a herança que a Web 2.0 lhe forneceu: a interatividade. 

Também conhecida como “web participativa”, a Web 2.0 é um marco tanto para a internet quanto para as relações sociais e a comunicação. As mídias sociais ou, como são mais conhecidas, redes sociais como YouTube, Orkut, Facebook, Flick, Picassa, Wikipédia, e outras, permitiram que todos os usuários da rede – que nesse momento já era um fenômeno global – tivessem voz ativa, uma voz que poderia ser ouvida por qualquer um, em qualquer lugar. Todos eram criadores de conteúdo, havia espaço mais do que suficiente para isso.

No que se refere ao jornalismo, vários fatores influenciaram a mudança de jornais ou revistas do produto físico para páginas virtuais: era onde o público estava e, portanto, conseguia alcançar muito mais gente; não havia limite de espaço, consequentemente as matérias poderiam ser colocadas na íntegra; permitia a incrementação de recursos como hiperlinks, respostas rápidas dos usuários, multimidialidade, personalização e outros. Estar onde o público estava para potencializar o número de views, curtidas e compartilhamentos terminou acarretando a ocupação das mídias sociais pelos veículos jornalísticos.

É claro, nem tudo eram rosas. Em vários sentidos, as novas possibilidades da Web 2.0 mudaram o paradigma comunicacional para algo nunca visto. Em um desses sentidos os jornalistas se viram dividindo a função de informar com seus leitores, que agora podiam produzir e compartilhar conteúdo à vontade. Os usuários passam a contribuir expressivamente em vários pontos do tráfego de informações: produzindo e consumindo absurdamente rápido, um exemplo seriam as aclamadas e desejadas viralizações, possibilitadas pelas redes sociais.

Por que preciso saber disso?

Quando algo é publicado em uma rede social tem a capacidade de atingir de milhares pessoas em poucos minutos. A comunicação virtual permitiu que um maior e mais rápido fluxo de informação atingisse o globo, é verdade, mas isso terminou contribuindo para um preocupante declínio dos valores qualitativos informacionais. Quando qualquer um pode postar o que quiser sobre o que quiser, as mídias sociais terminam ficando cheias de informações mentirosas, incompletas ou infundadas, popularmente conhecidas como fake news.
Elas sempre existiram, ainda que nem sempre tenham sido chamadas assim, mas o pico de sua “popularidade” veio em 2016, em um período que viria a ser conhecido como “Era das fake news“. Esse momento aconteceu durante a campanha eleitoral de Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos da América. 

O caminho que levou Trump ao posto da Casa Branca foi marcado por uma série de escândalos. Entre eles,  o papel da empresa britânica Crambridge Analytics no processo de quebra de privacidade que terminou na exposição e difamação de e-mails de chefes de campanha de Hillary Clynton. O escândalo ficou conhecido como “pizzagate“. Isso porque está relacionado a repetição de palavras como “pizza” e “cheese” nas mensagens. 

A investigação que seguiu revelou que  pizza + cheese era um código para child pornography. O resultado: notícias inverídicas, memes e páginas associando a imagem de Hillary à pedofilia, além da criação de slogans como: “protejam nossas crianças” e “querem roubar a inocência de nossos filhos”.

Uma imagem contendo homem, pessoa, atletismo, texto

Descrição gerada automaticamente
Um dos memes durante a corrida presidencial americana
Fonte: Vídeo – “MEGA-MEMES E OS PODESTA EMAILS: PIZZAGATE É REAL”. Produzido por McAllister TVP para o site BitChut.
Publicada em 21 de maio de 2018

Isso talvez possa parecer um pouco distante. Os Estados Unidos estão longe e a internet é conhecida pela maioria por seu lado prático, as teorias por trás dela não são tão interessantes. Esse fenômeno ocorre com vários campos, o que também se aplica ao jornalismo. Quando qualquer um pode escrever e publicar à vontade, sem ter estudado o mínimo sobre o assunto ou sobre a prática jornalística ou ambos, então o resultado não pode ser bom, em nenhum sentido e aí reside o perigo.

No Brasil, a internet foi regulamentada na década de 90, a partir daí houve um deslocamento de todo tipo de conteúdo para o mundo digital e em 2018 isso estava muito visível. Foi durante este ano que toda a rede informal de comunicação (lê-se redes sociais) contribuiu para o resultado de uma eleição presidencial que ficou conhecida como “eleição das fake news”.

Um exemplo mais concreto foi o escândalo denunciado pela Folha de S. Paulo no qual empresas pagariam usuários do famoso aplicativo WhatsApp para realizarem uma campanha contra o PT. O ocorrido terminou no banimento de centenas de milhares de usuários do “zap zap”, em uma tentativa de conter as irregularidades na eleição.

Manchete 18 de outubro de 2018: Empresas banca disparo de mensagens contra o PT nas redes sociais – Folha de São Paulo

Até mesmo os memes foram usados como fonte de informação jornalística. Memes com informações falsas, como o que dizia que Amelinha Teles, uma vítima da Ditadura.

Meme baseado em mentiras acusa Amélia Teles de assassinato militare para desacreditar PT.
Fonte: aosfatos.gov

Ok, mas sou realmente afetado (a) por isso?

Vamos recapitular. Até aqui concluímos que a internet evoluiu desde que foi inventada. Hoje qualquer um, em qualquer lugar, pode postar e acessar o que quiser, esteja onde estiver, e isso tem poder, têm riscos e têm consequências. Os conteúdos e informações disponibilizados na internet afetam pessoas e pessoas mudam o mundo seja para o bem ou para o mal. Até aqui tudo bem.

Demos exemplos amplos do Brasil e do mundo, sobre como conteúdos disponibilizados na internet mudaram eleições presidenciais e, portanto, o curso de todo um país, mas não conectamos a ninguém realmente e por isso pode continuar um pouco distante, mas planejamos aproximar um pouco mais. Entrevistamos 7 pessoas de idades, condições socioeconômicas e educacionais diferentes, com uma coisa em comum: todas têm o costume de acessar redes sociais entre 10h e 12h por dia.


Nosso foco é chegar a uma conclusão sobre o uso dessas redes, se a usam para saber o que acontece no mundo ao seu redor, seja por propagandas de veículos jornalísticos virtuais com alta credibilidade ou mesmo post de amigos e se já fez algo a respeito de alguma informação que recebeu, seja duvidar ou ser influenciado por elas.

Todas elas receberam e responderam às mesmas perguntas, entre elas:

  • 1ª) Quanto tempo você costuma passar conectado a internet? E em redes sociais?
  • 2ª) Em geral, qual é a principal funcionalidade de mídias sociais para você?
  • 3ª) Você já usou o Facebook ou outras redes sociais para se informar? Se sim, cite exemplos de informações relevantes que você adquiriu?

Algumas pessoas são exceções ao que cada vez mais se parece com uma regra. Para elas as redes sociais são apenas uma ferramenta para socializar e descontrair. Elas possuem a tendência de não dar muita atenção ao que aparece e, quando questionadas, afirmaram não serem críticas em relação ao que lhes era ofertado em suas timelines, ainda que, quando levadas a repensar o tema, tenham percebido que quando viam algo duvidoso tomavam uma atitude, ainda que fosse simplesmente passar reto. Dos entrevistados, duas pessoas mostraram essa linha de pensamento Rosimeire Conceição Silva Santos, auxiliar de serviços gerais e estudante do 2º ano do ensino médio, de 45 anos e Monalisa de Aguiar Bento, estudante do ensino 2º ano do ensino médio e estagiária, de 17 anos.

Os outros cinco entrevistados já são um pouco mais ativos. Todos eles alegaram utilizar redes sociais – e a que se destacou foi o Facebook – para, dentre outras coisas, saber o que está acontecendo no mundo, no Brasil e na política. Um exemplo é a enfermeira Merces Z. de 52 anos, “A gente se informa lá, porque tem sempre alguém compartilhando alguma coisa de político é as que mais vejo”. Dito e feito, quando questionada ela afirmou acreditar em algumas fake neus publicadas durante o período eleitoral como “Jean Wyllys vai criar lei para obrigar casamento gay em igrejas” em suas palavras “Da camisa [em referência imagem onde Manuela D’Ávila aparecia com uma camiseta estampada com a frase “Jesus é Travesti”] tudo bem ser fake news, agora do casamento isso já tava escrito, Deus deu um livramento para população brasileira.

Contraste entre a fake news divulgada e os fatos reais sobre o caso “Jean Wyllys vai criar lei para obrigar casamento gay em igrejas”. Fonte do print: Reportagem “Veja 10 fake news criadas contra a comunidade LGBTQ”, escrita por João Ker para a Revista Híbrida.
Manuela D’Ávila usou camiseta com estampa “rebele-se!” (Verdade).
Fonte: Twitter pessoal de Manuela D’Ávila. Publicado em 28 jun 2019.
Manuela D’Ávila usou camiseta “Jesus é Travesti” (Fake News).
Fonte: Reportagem “Lupa: é falsa foto de Manuela D’Ávila com Camiseta ‘Jesus é travesty'”, escrita por Cristina Tardáguila.

Outros entrevistados, como Elma Guerra, corretora de imóveis de 43 anos que mora em Ubatuba e Luiz Carlos Fagundes, vigilante de 49 anos que vive em São João del-Rei, afirmaram estar sempre em busca de notícias sobre política, ainda que ambos estejam em lados opostos da moeda “eleições 2018”.

E, claro, não podemos esquecer dos perfis de jornalistas e veículos de comunicação que estão sempre publicando notícias onde elas irão chamar mais atenção. Isabela Cristina Martins de Castro, jornalista de 25 anos, afirma seguir perfis de veículos como: “Folha”, “O Globo”, “Exame”, “El Pais”, “Uol”, “BBC” e outros. Assim como ela, Maria Clara Ueda dos Santos, Escriturária de 43 anos e, já mencionado antes, Luiz Carlos também se apoiam em perfis noticiosos.

Essas sete pessoas têm tendências políticas diferentes, idades diferentes, currículos diferentes e usam as redes sociais de forma diferente, é verdade.

Você, nosso leitor, pode pensar como Rosimeire e Monaliza e não ver o “Face”, o “Insta” ou qualquer outra rede social, como um possível meio noticioso, mas querendo ou não, se você tem um apenas um amigo que pensa diferente de você, então enquanto navega em sua timeline vai ver ao menos um post noticioso, dar ou não atenção a ele vai de você. Mas aqui vai uma coisa para se pensar: seu subconsciente está sempre ativo, guardando tudo que você vê, deixando aquele conteúdo disponível para seus pensamentos.

Agora, se você é como os outros cinco e gosta de procurar perfis de veículos noticiosos ou de prestar atenção nos posts noticiosos de seus amigos, então você está, com toda certeza, sendo afetado por aquilo, para bem ou para mal. Essas pessoas não tinham nada em comum, além de serem pessoas “comuns”, com vidas “normais”, e ainda assim compartilham um aspecto de sua vida: são influenciadas pelo que há disponível em suas redes sociais. Se elas o são, por que você não poderia ser? Também é uma pessoa “comum”, não é? Por que um deslize de senso crítico não pode te fazer ter uma opinião errada sobre algo e por que isso não poderia gerar um efeito dominó?

Afinal as eleições de 2018 foram altamente influenciadas por “notícias” lançadas em redes sociais, na qual pessoas como você quiseram acreditar.

Texto: Brenda Guerra e Maiza Santos
Supervisão: Profa. Alessandra de Falco

Arte de destaque: Ícaro Chaves