A vida que se vai

Ele possuía olhos, boca, nariz, orelhas, braços, pernas, pele. Era como qualquer um de nós, poderia ser branco, negro, mulato, qualquer etnia, qualquer condição sexual. Vestia-se com um avental, pois era assim que o oficio exigia. O carisma e a atenção com os clientes, também eram características que, no seu emprego, eram muito bem servidas. Servir algo para o freguês em bares e restaurantes pode ser muito prazeroso para quem está trabalhando na vida noturna, é como abrir uma porta sem saber o que está do outro lado. A freguesia é diversa, são casais que saem de casa para terem uma noite fora da rotina, amigos que vão comemorar um aniversário, pessoas que estavam passando por ali e foram despertadas pela vontade de tomar uma gelada.

Ele, o garçom, tem seu trabalho Fordiano: perguntar, oferecer, servir, retirar, agradecer. E assim se vai uma noite de uma vida. Geralmente, tais pessoas que trabalham na noite, chegam em casa cansadas por terem ficado muito tempo de um lado para o outro, não terem sentado um pouquinho, porque logo chegava um cliente e assim tinha que se abrir uma mesa e começar o expediente. O grande desejo agora é apenas descansar, pois logo chega uma nova noite. A rotina dele era basicamente esta, dia a dia, lua a lua, prato a prato, cerveja a cerveja, mesa a mesa. A vida daquele garçom foi feita assim, de calmarias; como numa noite linda, em que a lua brilha forte no céu, há risadas no bar, uma boa música como trilha sonora, o vento fresco que bate no rosto. Mas também de noites intolerantes, em que o tempo está fechado, as pessoas nervosas, a bebida quente e a comida que passou do ponto.

No dia que amanhece os jornais não servem as respostas para as perguntas da clientela: Uma noite, uma agressão, uma rua vazia, um corpo jogado ao chão, sangue. E mais um fim de expediente, dessa vez se vai uma vida numa noite. Uma comanda fechada pela intolerância humana, para sempre.

The Dead Toreador – Édouard Manet (1864)

Texto: Fellipe Faleiro

Revisão: Julia Benatti